Nos últimos dias, o novelista Aguinaldo Silva tem passado quase 15 horas diante do computador, dando os toques finais nos personagens que criou para a próxima novela das 21h da Rede Globo, “Fina Estampa”, com estreia prevista para a segunda-feira 22. O folhetim irá debater um tema atual, a valorização exacerbada da aparência, e irá discutir até que ponto o visual é mais importante do que o caráter em uma pessoa. Autor de grandes sucessos, como “Senhora do Destino” (2004) e “Duas Caras” (2007), Silva desenvolverá sua nova trama na Barra da Tijuca, bairro da zona oeste do Rio de Janeiro, onde ele mora em um confortável condomínio fechado. Aos 67 anos, 33 dos quais na Globo, Silva é homossexual assumido e ex-militante da causa gay. Hoje, rechaça a onda do politicamente correto e não apoia o projeto de lei, em tramitação no Congresso Nacional, que criminaliza a homofobia. “Temo quando a gente começa a criar um excesso de leis. E sou contra tudo o que significa ter direitos porque você é inferior”, afirma o autor, que costuma mostrar sua língua ferina em comentários no blog e no Twitter.
Istoé – O sr. fala sobre aparência na próxima novela. Preocupa-se com a sua? Já fez plástica?
Aguinaldo Silva -
A aparência é muito importante para mim, sou vaidoso ao extremo. Nunca fiz plástica, embora tivesse vontade. Temo os efeitos da anestesia geral na minha idade, mas o verdadeiro problema é que não estou encontrando tempo para isso.
Istoé -Por que centrar a trama na Barra da Tijuca?
Aguinaldo Silva -
O Leblon não era um bairro tão valorizado até que o (autor) Manoel Carlos impôs essa imagem próspera com suas novelas. Minha ideia é fazer o mesmo com a Barra, alvo de enorme preconceito, embora seja um dos melhores bairros do Rio. A Globo fez uma cidade cenográfica de 30 mil metros quadrados, a maior já feita pela emissora. Só uma das ruas terá 150 metros.
Istoé -O sr. foi benevolente com os milicianos retratados na novela “Duas Caras” (2007) e a milícia se revelou tão terrível quanto os piores bandidos. Arrependeu-se?
Aguinaldo Silva -
Não. O que aconteceu em “Duas Caras” é que o personagem do Antonio Fagundes não era o protagonista. O do Lázaro Ramos é que seria. Mas uma novela é uma obra aberta que segue as tendências do público, que, neste caso, caiu de quatro pelo personagem do Fagundes. Surgiu esse problema no decorrer da trama e eu não tinha como resolver. O coitado do Lázaro, por mais bonzinho que fosse, não tinha tanta simpatia do público, que preferia o mau, o miliciano. Mas claro que a imagem posterior da milícia ficou uma coisa tenebrosa. Não me arrependo porque foi a primeira vez que uma favela apareceu com tanta ênfase no horário nobre da tevê.
Istoé -O sr. acredita na profecia de Macunaíma (lançado por Mário de Andrade em 1928), de um Brasil com heróis sem caráter?
Aguinaldo Silva -
Sim, o Brasil está pululante de Macunaímas: temos vários heróis sem o mínimo caráter. E o pior é que o povo acredita neles. Basta folhear a revista na qual você trabalha para encontrar todos eles lá, porque são notícia. Pelo lado ruim, mas são. Não vou, claro, citar nomes.
Istoé -Como vê esses primeiros meses do governo Dilma?
Aguinaldo Silva -
Acho que os acontecimentos recentes em Brasília provaram que ela está tentando enfrentar desafios, mas é difícil. Esses esquemas vêm de anos. Eu me lembro dessas figuras de outros carnavais, de outras acusações, de outros governos, e elas continuam lá. E afrontam a mídia. Acho que a Dilma está tentando, mas ela encontra várias dificuldades no caminho que a impedem de continuar. Espero que ela seja uma mulher de atitude como a Griselda (protagonista da próxima novela, uma mulher forte e honesta) e vá em frente.
Istoé -O bom momento econômico do País vai entrar nessa novela?
Aguinaldo Silva -
Vai, mas da seguinte maneira: esse é o momento para os empreendedores, para quem tem uma ideia, uma vontade, uma vocação para lutar para que seu sonho se concretize. Uma coisa que me incomodou um pouco nas últimas novelas foi o excesso de perversões gratuitas. Por isso, quero que todos os personagens tenham ocupação, que trabalhem, estudem, tenham objetivos e ambições saudáveis. A gente está precisando um pouco desse otimismo neste momento. Não é essa coisa gratuita de mortes, de maldade pela maldade. Acho que as novelas estão dando muito espaço à perversão.
Istoé -A concorrência com a Record fez a Globo mudar a maneira de fazer novela?
Aguinaldo Silva -
Acho que foi o contrário. A Record tenta desesperadamente fazer novelas como a Globo e não consegue. Porque foram anos e anos de prática e de investimentos. A Globo tem os melhores profissionais em todos os ramos. Vi a cidade cenográfica da minha próxima novela e fiquei impressionado: o Mario Monteiro (cenógrafo) é um gênio único. Na Record, não há ninguém que consiga fazer um décimo do que ele faz. Então a Record ainda vai ter que comer muito feijão com arroz.
Istoé -O sr. já recebeu alguma proposta da Record?
Aguinaldo Silva -
Já. E era uma proposta tão absurda que eu fiquei com medo.
Istoé -Por quê?
Aguinaldo Silva -
Minha mãe, dona Maria do Carmo Ferreira da Silva, dizia sempre que “cego quando vê esmola grande desconfia”. Achei que tinha alguma coisa errada na história. Preferi não me envolver.
Istoé -Era uma quantia muito superior ao seu salário?
Aguinaldo Silva -
Era. Claro que no dia seguinte a Globo ficou sabendo, não sei como, disse que não tinha condições de cobrir uma proposta daquela e fez uma contraproposta, que achei interessante, e aceitei. Vale lembrar que estou na emissora desde 1978.
Istoé -Por conta das polêmicas que suas opiniões no Twitter e no seu blog causam, pensa em mudar o tom e ficar mais light?
Aguinaldo Silva -
De jeito nenhum. Falo o que penso e vou continuar assim. Seria um crime deixar de formular minhas opiniões. Quando eu era jornalista nos anos 1970, era seguido sempre pelo mesmo Fusca da redação do jornal “Opinião” até a minha casa e não tinha medo. Por que teria agora? Só me preocupo em não dizer nada que denigra a vida pessoal das pessoas.
Com informações da revista Istoé
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