Muitos artistas de tevê enxergam a passagem
do tempo de forma cruel. Afinal, nessa profissão, imagem e beleza estão
na ordem do dia. Claudia Raia é voz dissonante. Ela acredita que a
maturidade não só a deu experiência e reconhecimento como atriz, como se
sente mais à vontade com seu corpo.
"Acho
que estou muito melhor agora do que quando tinha 20 anos.
Esteticamente, hoje me cuido mais e tenho pleno equilíbrio do meu corpo.
Como atriz, o conteúdo das minhas personagens tornaram-se muito mais
instigantes", valoriza a intérprete da Lívia, de Salve Jorge.
Além de personagens mais complexos, aos 45 anos Claudia tornou-se uma
das atrizes mais disputadas pelo autores da Globo. Só este ano, seu nome
foi escalado para os remakes de Gabriela e Guerra dos Sexos. No
entanto, por questões de tempo e pelo peso da vilã Lívia – escrita
especialmente para a atriz por Glória Perez –, Claudia acabou acertando
sua participação na atual trama das nove.
"Vi na Lívia a possibilidade de fazer um personagem marcante. É uma
vilã ambígua e cheia de nuances, de uma maldade genuína. Não é todo dia
que isso aparece", valoriza a atriz, natural de campinas, interior paulista.
OF – Em Salve Jorge, sua personagem é a espinha dorsal de uma rede de tráfico de mulheres. Como você lidou com o peso deste tema durante a preparação para a novela?
Claudia Raia – A Lívia me deu e ainda me dá muito
trabalho. Mas desde o começo eu sabia que não seria um trabalho fácil,
de ir para o Projac (Central Globo de Produção) gravar e pronto. Por se
tratar de um problema real, é um tema muito forte, que mexe comigo.
Chorei muito durante o processo de preparação. E o mais interessante é
que a Lívia é o tipo de personagem impesquisável.
OF - Como assim?
CR– Conversei com os delegados da Polícia Federal que
participaram do workshop com o elenco da novela, com mulheres que foram
traficadas e conseguiram superar essa condição. E ainda com mães de
meninas que não sobreviveram. No entanto, é impossível traçar o perfil
das pessoas que comandam toda a operação criminosa. Eu perguntava: "mas
como são essas pessoas que lideram o trafico?". E ninguém sabia como
elas eram, como se portavam. Apenas que são totalmente blindadas e que
não aparecem. É um mercado com pessoas muito poderosas envolvidas.
OF– Na novela, Lívia é mostrada como uma pessoa
pública, acima de qualquer suspeita. Essa licença poética dramatúrgica
facilitou sua interpretação?
CR – Não acho que tenha ficado mais fácil. É que para
funcionar a história da Glória, minha personagem não poderia ficar tão
escondida. Era preciso ação. Eu gostei desta faceta pública da
personagem porque levanta a questão de que esses criminosos podem ser
qualquer um, estar em qualquer lugar. Ela é simpática, elengantíssima,
uma ex-modelo que faz gestão de carreira de aspirantes à passarela, não
dá qualquer sinal de falta de caráter. É quase um caso de dupla
personalidade (risos), o que torna a personagem bem complexa.
OF – Foi esse grau de complexidade que fez você aceitar o convite para Salve Jorge?
CR – A Lívia é um grande papel, do tipo que me dá a
oportunidade de mostrar um trabalho forte e diferente de outras vilãs
que eu já fiz e a que assisti na tevê.
OF– Por quê?
CR – Ela é simplesmente má. Não há indícios de um
passado triste, opressão familiar, trabalho forçado e muito menos
assédio ou abuso sexual na trajetória da personagem. Eu conversei muito
com a Glória para saber se ela tinha algum grau de psicopatia ou algo do
tipo, mas a abordagem da Lívia também não é por aí. Achei esse caminho
do mal genuíno um acerto, seria uma repetição se as vilanias dela fossem
justificadas por alguma doença ou desequílibrio mental. Algumas pessoas
nascem ruins e esse é o caso dessa dela.
OF – Sem muitas referências e justificativas, você sente alguma dificuldade para deixar a Lívia crível para o público?
CR – A personagem é muito bem escrita e a ambiguidade
dela me ajuda a deixá-la verossímil. De uma maldade natural e revestida
de bondade, Lívia realmente acredita que está fazendo um bem para as
meninas que caem no seu golpe. Enxerga a prostituição e o trabalho
escravo como uma oportunidade das traficadas conhecerem outra cultura,
outros mundos. Além disso, ela é capaz de boas ações. Assim como
qualquer pessoa boa ou ruim. É claro que existe uma questão de índole,
mas dependendo da situação, as pessoas podem passear pelo bem e pelo
mal. Isso humaniza a personagem.
OF – Você é mais conhecida pelas personagens cômicas e
voluptuosas de novelas como Sassaricando e Deus Nos Acuda. Interpretar
vilãs de forma bissexta, como as de Torre de Babel, Sete Pecados e Salve
Jorge, é uma forma de você não se repetir?
CR – Não é legal ser vista como uma atriz de apenas
uma personagem. Eu tento diversificar bastante, mas não enxergo meus
personagens como vilãs ou mocinhas. O que me interessa são bons papéis.
Sei que o público me identifica mais como uma atriz de comédia. Eu tenho
mesmo uma aptidão para as risadas, para tipos extrovertidos. Mas adoro
exercitar minha veia dramática.
OF – Essa referência do público a incomoda?
CR – De maneira alguma! Até porque eu tenho o maior
orgulho de ter feito mulheres fortes como a Maria Escandalosa e a
Tancinha. A Tancinha, inclusive, foi uma grande virada na minha
carreira. Mostrou minha porção cômica. Algo que foi desenvolvido nos
anos que fiz TV Pirata. Foram trabalhos que me ligaram à comédia e que
me marcaram muito. Só quero que o público aceite também meus momentos
mais dramáticos.
OF – Na briga por elenco na Globo, você estava
escalada para os remakes de Guerra dos Sexos e Gabriela. Recusou ambos
por estar envolvida com as apresentações do musical Cabaret, mas disse
sim para Salve Jorge. O que aconteceu?
CR – Foi simples. Não fiz Guerra dos Sexos apenas pelo
meu compromisso com espetáculo que protagonizo no teatro. Na época do
convite, Cabaret estava no início da temporada. Conversei com o Silvio
(de Abreu, autor) e com o Jorge Fernando (diretor) e eles me liberaram.
Fiquei triste de não ter entrado no projeto, até porque, já trabalhei
com essa dupla várias vezes. Em seguida, por ser uma novela menor
duração, me escalaram para Gabriela. Mas como a Glória escreveu a
personagem de Salve Jorge pensando em mim, brigou pela minha presença na
novela dela.
OF – Cabaret segue em cartaz até fevereiro, em São Paulo, e você grava a novela, no Rio de Janeiro, até maio. Como está sendo conciliar os dois trabalhos?
CR – É uma loucura! Geralmente, não gosto de fazer as
duas coisas ao mesmo tempo. Até porque gosto e preciso de tempo para me
dedicar aos meus filhos, à minha vida social. Antes de dizer que faria
Salve Jorge, conversei com a minha família sobre o ritmo alucinante de
trabalho que eu teria de enfrentar. Com a estreia da novela, tive de
parar de fazer uma noite de apresentações do espetáculo. Atualmente,
gravo no Rio de segunda a quinta, e me apresento em São Paulo de sexta a
domingo. E ainda tenho que malhar, fazer aula de canto, decorar texto,
ensaiar... Por sorte, são dois projetos que valem o esforço.
Salve Jorge - Globo - de segunda a sábado, às 21 h.
Corpo e voz
A paixão de Claudia Raia pelos musicais é evidente. Entre uma produção
de tevê e outra, ela sempre busca inspirações e textos para um novo
projeto. Acostumada com o esquema mais artesanal do teatro, Claudia
desde cedo aprendeu que além de cantar, atuar e dançar, era preciso
saber produzir seus espetáculos se quisesse realmente levá-los ao
público.
"É um trabalho burocrático fora do normal. Mas produzir meus musicais
garante minha autonomia artística", conta a atriz, que, atualmente, dá
vida à delicada Sally, personagem de Cabaret.
Ao longo da carreira, Claudia levou aos principais palcos do país
sucessos adaptados da Broadway como O Beijo da Mulher Aranha e Sweet
Charity, além de produções inéditas como Pernas Pro Ar e Não Fuja da
Raia. Este último rendeu uma série homônima de tevê, exibida entre 1995 e
1996.
"Foi uma delícia mostrar na tevê o que faço nos palcos. Mas era um
programa caro de ser produzido e acabou sendo cancelado", relembra.
Atriz assinatura
Apesar de Claudia ter recusado o convite para Guerra dos Sexos, a
amizade entre ela e Silvio de Abreu permanece intacta. Silvio foi o
autor com quem Cláudia mais trabalhou na tevê. Além de ser o roteirista
da série especial Não Fuja da Raia, ele escalou ela para papéis de
destaque em novelas como Cambalacho, Sassaricando, Rainha da Sucata,
Deus Nos Acuda, Torre de Babel, As Filhas da Mãe e Belíssima.
"Sou muito grata ao Sílvio pela diversidade da minha carreira. Fiz de
tudo um pouco nas novelas dele: Engordei, emagreci, fui a mocinha, a
vilã, a transexual elegante, a bonitona desengonçada. É uma relação de
profissionalismo, amizade e admiração", derrama-se.
Trajetória Televisiva
# "Viva o Gordo" (Globo, 1983) - Carola.
# "Roque Santeiro" (Globo, 1985) - Ninon.
# "Cambalacho" (Globo, 1986) - Maria Antonieta.
# "O Outro" (Globo, 1987) - Edwiges.
# "Sassaricando" (Globo, 1987) - Tancinha.
# "TV Pirata" (Globo, 1988) - Tonhão e Penélope.
# "Rainha da Sucata" (Globo, 1990) - Adriana.
# "Vamp" (Globo, 1991) - Celeste.
# "Deus nos Acuda" (Globo, 1992) - Maria Escandalosa.
# "Não Fuja da Raia" (Globo, 1995 a 1996) - Apresentadora.
# "Engraçadinha... Seus Amores e Seus Pecados" (Globo, 1995) - Engraçadinha.
# "Torre de Babel" (Globo, 1998) - Ângela Vidal.
# "Terra Nostra" (Globo, 1999) - Hortência.
# "As Filhas da Mãe" (Globo, 2001) - Ramona.
# "O Beijo do Vampiro" (Globo, 2002) - Mina de Montmartre.
# "Sítio do Picapau Amarelo" (Globo, 2003) - Medéia.
# "Belíssima" (Globo, 2005) - Safira.
# "Mad Maria" (Globo, 2005) - Tereza.
# "Sete Pecados" (Globo, 2007) - Ágatha.
# "A Favorita" (Globo, 2008) - Donatela Fontini.
# "Ti-Ti-Ti" (Globo, 2010) - Jaqueline Maldonado.
# "Salve Jorge" (Globo, 2012) - Lívia.