“Era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada…” As crianças brincam de roda ao embalo dessa canção, que mexe profundamente com Alex, que retorna do campinho com a sua bola de saco na mão.
MARIA DAS DORES (gritando)
Vem pra dentro, Alex!… Já tá quase noite, menino.
(Alex entra correndo na sua humilde residência e com os pés cobertos de lama, vai formando suas pegadas até o quarto)
MARIA DAS DORES
Olha só o que você fez, menino, está sujando a casa toda. Vá já tomar banho.
ALEX
Ah, banho, mãe?… Mas eu já tomei ontem.
MARIA DAS DORES
Ontem foi ontem, quer virar um porcalhão? Assim você não vai namorar nunca.
ALEX
Ihh! Já tô namorando muito tempo, mãe. O “menó” aqui é chocante na arte do coração.
(Maria das Dores ri, ironizando)
MARIA DAS DORES
E quem é a louca que namora um neguinho de dez anos de idade? Vá já pro chuveiro que o jantar está quase pronto.
ALEX (desanimado)
Tá bom, eu vou!
(Alex se arrasta até o banheiro)
MARIA DAS DORES
Ai, ai… Esse meu filho é uma graça mesmo.
(Maria das Dores ri sozinha)
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(Alex e seus irmãos, Luís e Solange, estão sentados à mesa; Maria das Dores aparece com um pratinho na mão)
ALEX
O que é a comida, mãe?
(Faminto, Alex pergunta)
MARIA DAS DORES
Só um ovo pelado, meu filho. Foi só o que deu pra fazer… Vamos ter que partir em quatro.
(Responde Maria das Dores, com um aperto no coração)
LUÍS
Não fica triste, mãe… Eu estou ajudando o seu Messias na carpintaria e ele vai me dar uns trocados. Eu vou ajudar a senhora com as despesas da casa.
(Luís avisa, tentando amenizar a situação)
MARIA DAS DORES
Não, meu filho, eu não quero que você trabalhe.
ALEX
E eu? Posso trabalhar?
(Pergunta Alex, entusiasmado)
MARIA DAS DORES
Não, você vai estudar e ter uma profissão. Você e seus irmãos.
LUÍS
Mas mãe, não custa nada eu querer ajudar em casa… Eu já tenho idade suficiente para ter um emprego. Já sou quase de maior.
MARIA DAS DORES
Mas e os estudos? Como fica seu sonho de ser médico, meu filho?
LUÍS
Eu estudo de manhã e a noite eu arrumo um trampo. Além de ajudar na carpintaria, eu posso arrumar outro bico para fazer.
(Soluciona Luís, já quase desesperançado com esse seu sonho de se formar em medicina)
MARIA DAS DORES
Ai, meu filhos, vocês são “bença” na minha vida. Agradeço a Deus todos os dias por ter me dado vocês.
(Emociona-se Maria das Dores, sendo abraçada por Alex e Luís; Sentada à mesa como estava, Solange continua com sua cara emburrada)
SOLANGE
Que cena mais patética!…
(Pensa Solange, inconformada com tanta pobreza que a cerca)
MARIA DAS GRAÇAS (gritando)
Domingo é dia de frango assado!
(Chega Maria das Graças, trazendo um frango de padaria que exala um aroma de felicidade para Alex, já que sua barriga clama por comida boa)
MARIA DAS DORES
Minha irmã, quanto tempo!
(Maria das Dores e Maria das Graças se abraçam fortemente, pois a saudade já era muito grande)
MARIA DAS DORES
Como estão grandes meus sobrinhos… Tânia, Tina e Tico como vocês estão bonitos!
(Exclama Maria das Dores, abraçando cada um)
SOLANGE
Deve ser a comida de rico que eles comem.
(Triste, Solange assim pensa; Tânia corre para cumprimentar Solange, que logo vai reparando nas suas roupas chiques; Tina estranha a diferença da sua casa grande para aquela que é tão simples; Alex e Tico logo saem para brincar, enquanto Maria das Graças e Maria das Dores sentam-se no sofá para conversar)
MARIA DAS GRAÇAS
E você, minha irmã? Como passa?
MARIA DAS DORES
Ah, minha vida está tão difícil, minha irmã… O Carlos anda sempre endividado, bebendo além da conta… Às vezes acho que nasci pra sofrer mesmo.
MARIA DAS GRAÇAS
Não, não pense assim, Das Dores. As coisas vão melhorar… Nunca perca a fé.
(Maria das Dores encosta sua cabeça no ombro da irmã e desaba a chorar, sendo acalentada por Maria das Graças; Alex aparece com um papel na mão)
ALEX
Aqui madrinha, o que eu fiz pra senhora.
(Maria das Graças pega o papel)
MARIA DAS GRAÇAS
Que bonito… Mas o que é isso?
ALEX
Uma casa de dois andares… Igualzinha a da senhora, tia. Uma casa de gente rica… Queria tanto morar numa casa igual a da senhora, sabia?
(Ao ouvir tais palavras, Maria das Graças se emociona e Maria das Dores segura as lágrimas para não chorar)
MARIA DAS GRAÇAS
Que isso, Alex, a minha casa não é de rico, não… E a sua casa também é muito bonita.
ALEX
Eu sei, mas quando eu crescer, eu vou fazer uma casa de ouro… E vai morar todo mundo junto.
(Maria das Dores não consegue conter suas lágrimas)
ALEX
Eu vou trabalhar muito pra comprar uma casa de ouro… Toda de ouro mesmo. Igual um castelo que vi numa fita na casa da vizinha.
(Comovida, Maria das Graças alisa o rosto de Alex)
MARIA DAS GRAÇAS
Mas pra você trabalhar, primeiro tem que estudar.
ALEX
Não, eu não posso… Meu pai falou que eu não posso estudar não… Só o Luís e a Solange que podem, porque eles já são grandes.
MARIA DAS GRAÇAS
E você quer estudar?
ALEX
É, eu bem que queria, mas…
MARIA DAS GRAÇAS
Se você quer, você vai estudar sim.
ALEX
Vou?! Mas como?
MARIA DAS GRAÇAS
Eu pago seus estudos.
(Maria das Dores fica surpresa)
MARIA DAS DORES
Do que você tá falando, Graça?
MARIA DAS GRAÇAS
Como madrinha do Alex, eu me sinto na responsabilidade de prezar pelo futuro dele… Alex, eu vou te matricular na escola dos meus filhos. Você quer?
(Contente, Alex concorda com a cabeça)
MARIA DAS DORES
Na escola da Zona Sul? Aquela de gente rica?… Mas é muito cara.
MARIA DAS GRAÇAS
Sim, essa mesma!… O Alex há de ser alguém na vida.
(Alex sorri, não podendo conter a tamanha felicidade que já sentira em toda a sua vida)
MARIA DAS DORES (emocionada)
Minha irmã, eu nem sei como agradecer.
MARIA DAS GRAÇAS
Agradeça criando esse menino bem, assim como você está fazendo até agora.
ALEX
Obrigado, tia… Eu amo muito a senhora, muito mesmo.
(Alex abraça Maria das Graças que fica emocionada; Alex sorri, contente)
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“Escola San Miguez, Rio de Janeiro – 1985”
Cinco anos se passam rápido, Alex se torna um rapaz de 15 anos e inicia mais um ano letivo na “Escola San Miguez”, a instituição de ensino mais conceituada e mais cara de todo o Rio de Janeiro.
(Alex e seus primos, Tânia, Tina, Tico e Fábio chegam à escola juntos)
TÂNIA
Graças a Deus que esse é meu último ano de escola… Estou doida para começar a trabalhar logo, ter minha independência. Ser livre!
TINA
Do jeito que você é, Tânia, vai conseguir emprego só no zoológico… E ainda por cima como bicho-preguiça.
(Alex, Tico e Fábio riem)
TÂNIA
Só fala isso porque é uma pirralha, que ainda não saiu nem do pré.
TINA
Quem disse? Saiba que já fui para a 5ª série, tá?
TÂNIA
Ai, tchau, criancinhas, vou lá com a minha turma… Dos quase adultos, sabem?
TINA
Sai daqui, sua velha idosa chata.
(Tânia sai rindo e se mistura com seus amigos de classe)
TINA
Ai! A Tânia me dá nos nervos… Só porque já usa sutiã. Que raiva, que raiva! Como é chato ser irmã mais nova.
ALEX, TICO e FÁBI (cantando)
Peitinho de limão… Peitinho de limão… Não usa sutiã, não usa sutiã…
(Alex, Tico e Fábio cantam em coro, irritando Tina, que sai nervosa; O sinal toca)
TICO
O sinal! Vamos!
(Todos correm pelo corredor, exceto Alex que fica perdido; Afrodite vem correndo e esbarra em Alex; Os livros de Afrodite caem no chão e ela se abaixa para pegá-los)
AFRODITE
Desculpa, eu não queria…
“Por delicadeza, Alex também se abaixa para ajudá-la… Suas mãos se encostam e num sincronismo mágico, seus olhos se atraem como dois imãs que nunca se repelem… Nesse instante, Alex já está completamente encantado por Afrodite”.
(A imagem se congela num tom preto-e-branco)
Continua…
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