A Ucrânia esteve por trás de três explosões da semana passada que abalaram as instalações militares russas na Crimeia, província anexada pela Rússia. Uma delas aconteceu numa base aérea russa na costa oeste da península e destruiu vários aviões, de acordo com um relatório do governo ucraniano divulgado internamente e compartilhado com a CNN por uma autoridade ucraniana.
A fonte pediu anonimato porque não estava autorizada a revelar as informações com a imprensa.
O relatório descreve a base aérea de Saki, que foi abalada por explosões na terça-feira (9) da semana passada, causando uma perda pesada, mas circunscrita, para a infraestrutura militar russa na Crimeia. Ela foi seguida por ataques subsequentes, provando a capacidade militar sistemática da Ucrânia de usar a Crimeia como alvo.
Pelo menos sete aeronaves militares foram destruídas no ataque de 9 de agosto à base aérea de Saki, que também danificou severamente a base e matou pelo menos uma pessoa.
Desde o início, a Rússia vem alegando que foi um acidente. Já os ucranianos se recusaram até o momento a confirmar que eram responsáveis. Além da disputa da autoria, há poucas informações sobre que tipo de ataque causou as explosões.
Em um discurso após o ataque, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse que a guerra “começou com a Crimeia e deve acabar na Crimeia –com sua liberação”.
Outro conjunto de explosões foi relatado na Crimeia nesta semana, mais precisamente em 16 de agosto, desta vez em um depósito de munições em Maiske e em um campo aéreo em Gvardeyskoe.
Autoridades russas afirmaram que o incidente em Maiske foi causado por sabotagem, mas não especificaram o tipo de ação ou seus responsáveis.
O que sabemos sobre outros incidentes recentes?
Na terça-feira (16), incêndio e fumaça foram vistos subindo de uma subestação elétrica a 12 km do depósito de munições de Maiske, de acordo com as imagens das redes sociais. A causa do fogo e da fumaça na subestação permanece pouco clara. Os incidentes ocorreram em torno da área de Dzhankoi, descrita pelo Ministério da Defesa britânico como “um entroncamento rodoviário e ferroviário fundamental com um papel importante nas linhas de suprimento das operações da Rússia no sul da Ucrânia”.
Os ataques surgem numa fase em que os crescentes movimentos de resistência nas zonas ocupadas pelos russos estariam executando atos de sabotagem.
Durante o último final de semana, fontes ucranianas relataram que uma ponte ferroviária perto da cidade de Melitopol, no sudeste da Ucrânia – usada pelos russos para transportar equipamento militar e armas a partir da Crimeia ocupada – teria sido explodida por guerrilheiros ucranianos. Melitopol tem sido há meses um centro de resistência velada à ocupação russa. De acordo com analistas, há uma campanha para enfraquecer a capacidade militar da Rússia na Crimeia.
Na terça-feira, Zelensky alertou os ucranianos que vivem em áreas ocupadas para ficarem afastados das instalações militares das forças russas, reforçando essa impressão.
O que significam as explosões para as ambições de Putin?
As explosões na base aérea de Saki abalaram banhistas que descansaram nas cabanas da praia da Crimeia na semana passada. Elas marcaram o início de uma série de incidentes misteriosos na península ucraniana e, por consequência, ameaçam a joia das ambições revanchistas do presidente Vladimir Putin.
Desde a explosão da base aérea na semana passada, os responsáveis e analistas ocidentais deram explicações diferentes sobre as causas do ataque. Independentemente da motivação, uma fonte da consultoria de segurança Cavell Group disse que o “ataque de Saki foi audacioso e altamente eficaz tanto em danificar os reforços russos como em causar um golpe psicológico significativo para a moral entre os militares e civis russos”.
As ações podem ter implicações profundas para o conflito, especialmente se o ataque foi realizado com qualquer novo sistema de armas de longo alcance desenvolvido pela Ucrânia.
De acordo com o Ministério da Defesa do Reino Unido, a perda de jatos de combate em Saki representa uma pequena proporção da frota global de aeronaves que a Rússia tem disponível para apoiar a guerra.
Mas, ao mesmo tempo, os britânicos notaram que Saki é a base principal para apoiar a marinha russa no Mar Negro. “A capacidade de aviação naval da frota russa está agora significativamente abalada. O incidente provavelmente levará os militares russos a revisar sua percepção de perigo”, declarou o ministério.
Outra consequência pode ser a reavaliação da ameaça à Crimeia, que “provavelmente era vista como uma retaguarda segura”, continuou.
Por que é que a Crimeia é tão importante para Putin?
A Crimeia é o lar da Frota do Mar Negro da Rússia, baseada em Sevastopol. A península tem atuado como uma plataforma de lançamento de ataques desde a invasão de fevereiro, já que as tropas russas usam a região anexada para atingir o sul da Ucrânia.
O controle da Crimeia garante à Rússia o acesso contínuo à base naval de Sevastopol, que antes operava sob um acordo de leasing com a Ucrânia, desmanchado após a anexação da Crimeia em 2014. Rodeados pelo Mar Negro e pelo Mar de Azov, os navios e submarinos baseados na Crimeia se posicionam ao norte da Turquia e podem chegar ao Mediterrâneo, um local perfeito para exercer influência no Oriente Médio e nos Balcãs.
A Crimeia foi tomada à força pela Rússia em março de 2014 logo depois de manifestantes ucranianos terem ajudado a derrubar o presidente pró-russo Viktor
Yanukovych. Na ocasião, milhares de militares das operações especiais da Rússia, usando uniformes não identificados, se instalaram em torno da península.
Duas semanas depois, a Rússia concluiu a anexação da Crimeia num plebiscito, acusado pela Ucrânia e pela maior parte do mundo como ilegítimo. À época, o ato foi considerado como a maior apropriação de terras na Europa desde a Segunda Guerra Mundial.
De acordo com observadores de direitos humanos, desde a anexação a Crimeia sofreu uma transformação em um estado policial. As autoridades locais e os serviços de segurança russos passaram a perseguir e prender aqueles que acreditam serem leais à Ucrânia, incluindo membros da comunidade tártara da Crimeia. Um relatório de 2020 do Departamento de Estado dos EUA descreveu um padrão de “assassinatos ilegais ou arbitrários, incluindo execuções extrajudiciais por parte da Rússia ou de ‘autoridades’ lideradas pela Rússia; desaparecimentos forçados por ‘autoridades’ lideradas pela Rússia ou pela própria Rússia; tortura e penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes” na Crimeia.
Mesmo antes da anexação, os políticos nacionalistas russos muitas vezes afirmavam ter autoridade sobre a região — com ricas terras agrícolas e acesso ao Mar Negro — como parte da sua retórica populista, apesar de a Rússia ter sido apenas uma de várias potências a ter dominado a Crimeia ao longo dos séculos. Uma derrota pesada para os nacionalistas foi a decisão da liderança soviética de transferir a administração da Crimeia para a Ucrânia em 1954, quando tanto a Rússia como a Ucrânia faziam parte da União Soviética.
Putin aproveitou para capitalizar os sentimentos de revanche nacionalista.
A política interna pode ter desempenhado um papel na decisão de Putin de anexar a região. Apesar da crise econômica então vivida na Rússia, a retórica nacionalista e a invasão da Crimeia fizeram com que os índices de aprovação subissem em 2014. “Em nossos corações, sabemos que a Crimeia sempre foi uma parte inalienável da Rússia”, afirmou Putin aos legisladores russos quando anunciou a anexação em 2014.
Há muito tempo, a Crimeia é popular entre os turistas russos, como o era para a elite soviética. Em 1991, o último líder da União Soviética, Mikhail Gorbachev, estava em férias na região quando os opositores linha-dura tentaram um golpe contra ele.
No entanto, a invasão em larga escala da Ucrânia pela Rússia afetou o turismo na região. Sergei Aksyonov, chefe do governo da Crimeia controlada pela Rússia, reconheceu no mês passado que houve uma queda de 40% no setor turístico durante o verão. A Associação Russa do Turismo fez uma previsão semelhante em junho.
O que é que aconteceu na Crimeia após as explosões?
O órgão responsável pelas estradas russas declarou na terça-feira que havia registrado um novo recorde de tráfego numa ponte da Crimeia dias após as explosões na base aérea de Saki.
“Durante o dia de 15 de agosto, 38.297 carros atravessaram a ponte em ambas as direções”, afirmou o órgão.
Servidores locais têm menosprezado o tamanho das filas de veículos, dizendo que elas acontecem por causa dos controles mais rigorosos na ponte por razões de segurança – e não por causa de um aumento do movimento de saída da região.
“Dizer que eles estão fugindo da Crimeia é uma mentira completa, não há dúvida sobre isso”, declarou Aksyonov, o chefe do governo da Crimeia controlada pelos russos, na terça-feira. No mesmo dia, ao fazer referência às filas de quilômetros de veículos civis tentando deixar a Crimeia para a Rússia, Zelensky disse: “A fila agora dos que deixam a Crimeia para a Rússia pela ponte prova que a maioria absoluta dos cidadãos do estado terrorista já compreende ou pelo menos sente que a Crimeia não é lugar para eles”.
FONTE/REPRODUÇÃO: CNN
* Tim Lister, Uliana Pavlova e Paul P. Murphy, da CNN contribuíram, para esta reportagem.
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